Depois de diversas leituras e diversos debates elaboramos um novo texto, que irá abordar a ideia de autonomia de um cidadão dentro das grandes metrópoles urbanas, especificamente em São Paulo.
AUTONOMIA E O CIDADÃO URBANO DA MODERNIDADE
Mobile na Metrópole é um projeto da Escola Mobile que transcende o ambiente da sala de aula na construção do conhecimento, permitindo que os alunos passem a experimentar sua própria cidade como sujeitos críticos, percebendo e sendo tocados por toda a realidade desconhecida à nossa volta. Este projeto da área de humanidades de 2014 tem “Conflitos Urbanos” como tema geral. Dentro desde tema, cabe a cada grupo direcionar sua pesquisa com base na determinação de uma questão problema.
A questão problema a ser discutida neste trabalho está relacionada com a falta de autonomia do cidadão das grandes metrópoles ocidentais da atualidade. Com isso, olharemos para a cidade de São Paulo de forma mais específica buscando responder como ter um comportamente autônomo vivendo nesta sociedade.
A palavra “autonomia” vem do grego αὐτονομία (auto=algo que se refere a si mesmo; nomia=regras, normas), sendo, assim, a criação de regras para si mesmo, ou, como o filósofo Immanuel Kant afirma, a autonomia é a capacidade de autodeterminação. O pensador alemão, para caracterizar aqueles que não tem essa capacidade, desenvolveu a ideia de menoridade intelectual. O conceito é explicado por Kant como a falta de capacidade de um indivíduo de apropriar-se da própria razão sem depender do outro.
Dito isso, é importante entender como se da esse processo de homogenização do comportamento humano e a que poderia se refererir o termo “outro”, que seria aquele que dita o modo como grande parte dos cidadãos urbanos devem agir. Para Michel Foucault, em todas sociedade, existem mecanismos (materiais e simbólicos), que visam reprimir comportamentos desviantes, individuais ou coletivos. Estes mecanismos são chamado, por ele, de controle social. O controle social se dá na cidade de São Paulo (e em outras grandes metrópoles) através de discrusos propagados repetidamente, compondo morais. Estas últimas, por sua vez, são um conjuntos de valores consolidados em um determinado grupo de pessoas buscando determinar a forma como este deve se comportar. Instituições midiáticas, grandes marcas, religiões, escolas e famílias são exemplos de detentores do poder discursivo e grandes propagadores da moral na cidade de São Paulo.
A moral cristã, por exemplo, prega os valores de pureza da mulher e monogamia, os quais são muito presentes na sociedade paulistana. Esses valores raramente são contraditos, sendo que quem o faz é normalmente associado a prostituição e vulgaridade, mesmo por aqueles que não seguem a religião católica, o que explicita a força desta moral na sociedade em questão.
Outro discurso que propaga uma moral muito influente no comportamento do cidadão urbano é o do consumo. O discurso capitalista propagado pelas grandes marcas e empresas valoriza o comportamento individual e o acúmulo de capital, gerando uma sociedade de consumo, a qual se caracteriza por ser altamente consumista e materialista. Esse discurso é propagado constantemente pela mídia, reforçando a ideia de que todos devem viver em função de ganhar dinheiro e ascender socialmente. A sociedade se estabelece de forma extremamente desigual, entretanto todas as classes almejam a mesma coisa: o consumo. O padrão de sucesso está na quantidade de bens acumulados e, com isso, indivíduos consomem o que não necessitam ou mais do que podem pagar, buscando o almejando status de sucesso. Para manter o padrão de consumo, muitas familias em São Paulo se endividam e, segundo a Fecomercio-SP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo), esse número chegou a 1,963 milhão de familias endividadas em Janeiro de 2004.
A publicidade é um dos pilares da sociedade de consumo. Ela cria nos cidadãos novas necessidades, inventando assim uma demanda de consumo. A cultura do consumo propagada pelo marketing recusa a profundidade e valoriza as aparências. Impondo esterióripos de beleza, sucesso e felicidade, vendem-se produtos que ajudariam os indivíduos a se enquadrar neste padrão. Para manter o consumo sempre constante é necessária uma dinâmica de rotatividade e fluidez, impedindo que um produto específico seja alvo de desejo por muito tempo. Com isso, se cria e a obsolecência programada, que seria a produção de bens com vida útil determinada (rapidamente se tornam obsoletos ou perdem sua funcionalidade); o que aumenta a necessidade de consumo e torna-o constante, uma vez que os produtos passam a satisfazer o comprador por um curto período de tempo. Esta estratégia é muito lucrativa para os detentores dos meios de produção e garante uma sociedade neofílica (com desejo constante pelo novo) e consumista.
Mesmo sob um cenário com tantos controles sociais e com comportamento humano padronizado, a ideia de liberdade está muito presente no discurso consumista propagado nas sociedades urbanas capitalistas, associando-a ao poder aquisitivo.
Na sociedade de consumo é possível determinar quão feliz ou bem sucedido um indivíduo é baseado-se em seu poder de consumo e, em relação à liberdade, o mesmo também pode ser dito. Nessa sociedade, a liberdade é concebida como a possibilidade de escolher um produtos, podendo optar entra a marca X ou Y. Essa liberdade associada ao consumo expressa um grande paradoxo da sociedade moderna. Niall Ferguson, historiador e professor da Universidade de Harvard, fala sobre isso: “um dos maiores paradoxos da história moderna: um sistema econômico projetado para oferecer escolha infinita ao indivíduo tenha terminado homogeneizando a humanidade”. Essa liberdade, portanto, não pode ser associada ao conceito de autonomia, uma vez que este conceito, como ja foi explicado, está relacionado ao uso da razão para determinar o comportamento individual sem a tutela de algum elemento externo. Na sociedade de consumo, o oposto pode ser observado: o comportamento dos cidadãos baseia-se em seguir as morais vigentes, buscando se enquadrar nos esteriótipos consolidados na sociedade. De tal forma, pode-se afirmar que na sociedade de consumo e, consequentemente, em São Paulo também, a grande maioria dos cidadão estão em sua minoridade intelectual, segundo o conceito de Kant, e, assim, não se comportam de forma autônoma. O que é necessário, portanto, para que saiam da minoridade e sejam autônomo?
Kant acredita que a saída desta minoridade está no esclarimento, que seria fazer o uso de seu próprio entendimento, usando a razão, para construir seus valores e agir com autonomia. O filósofo usa o lema “Sapere aude”- que significa “ouse saber”- com o objetivo de estimular o uso do próprio entendimento, convidando os homens a pensar de forma livre e a agir de forma autônoma, livres do que dita a moral vigente na sociedade. Para isso, é necessário parar de seguir cegamente algum elemento externo sem análisá-lo e questioná-lo, seja este elemento um deus, uma moral ou o próprio dinheiro e bens materiais. É importante explicitar que o pensamento de Kant vai de encontro com teses deterministas e fatalistas. Para ele, a responsabilidade pela minoridade é toda do indivíduo, uma vez que a causa dela não está na falta de entendimento, mas sim no medo, na covardia, na preguiça ou em outros motivos que possam levar o indivíduo a não servir-se a si mesmo sem a tutela de outro; ele afirma que é cômodo ser menor.
Para ele, o esclarecimento está diretamente relacionado à liberdade, sendo esta presente apenas para aqueles que agem com base na própria razão, ou seja, autonomamente, contradizendo o sentido de liberdade concebido na sociedade de consumo. Nesta, a liberdade relaciona-se com a capacidade de consumo de um indivíduo e, para Kant, ela associa-se ao processo de esclarecimento que leva a maioridade e faz com que o indivíduo seja autônomo. Assim, é necessário que, ao se apropriar do conceito de “liberdade” da sociedade de consumo, não o associe a autonomia, como muitas vezes é feito devido a proximidade semântica que estes conceitos podem apresentar. Essa associação, entretanto, pode ser feita ao considerar o conceito de liberdade de Kant, o qual, de fato, está diretamente relacionado à autonomia.
Em conclusão, o meio das grandes cidades da modernidade exerce incontestável influência no comportamento do cidadão urbano, entretanto, não pode ser considerado o responsável pela homogenização de tal comportamento. Albert Einstein afirmou que “Poucos são aqueles que vêem com seus próprios olhos e sentem com seus próprios corações”, reafirmando a ideia de que grande parte da população atual se encontra em sua minoridade e não age de forma autônoma. Para passar a agir com autonomia e liberdade (segundo o conceito de liberdade kantiana), em São Paulo-e nas grandes cidades modernas- é necessário ter ciência de quais são os mecanismos de controle social que influenciam os indivíduos a se comportar de forma heteronôma (não autônoma) e, a partir disso, criar seus próprios valores, passando por um processo de esclarecimento e se tornando capaz de pensar independentemente, sem necessitar da tutela de alguma religião, moral, ou discurso propagado socialmente. Um sujeito autônomo está em sua maioridade e é capaz de se autodeterminar.