O texto a seguir é a primeira etapa do processo de resposta da questão problema, sendo o trabalho final do Mobile na Metrópole deste bimestre
Mobile na Metrópole é um projeto da Escola Mobile que transcende o ambiente da sala de aula na construção do conhecimento, permitindo que nós alunos, passemos a experimentar nossa própria cidade como sujeitos críticos, percebendo e sendo tocados por toda a realidade desconhecida à nossa volta. Esse projeto da área de humanidades de 2014 terá Conflitos Urbanos como tema geral. Dentro desde tema, cabe a cada grupo direcionar sua pesquisa com base na determinação de uma questão problema.
A questão problema deste grupo está relacionada com a perda de individualidade decorrente nas grandes metrópoles ocidentais da atualidade, buscando responder como o cidadão urbano pode escapar da desconstrução de sua individualidade dada nessas cidades, passando a manifestar o seu próprio eu, ao invéz de simplismente se enquadrar no padrão imposto.
Antes de compreender como ter, de fato, uma individualidade, é necessário compreender como que se dá a desconstrução desta nas cidades. Para explicar isso, Michel Foucalt criou o conceito de controle social, que seriam os mecanismos que ocorrem em uma sociedade visando reprimir comportamentos desviantes. De tal forma, a população torna-se massificada e, por tanto, ter controle sobre esta passa a ser mais fácil. O controle social ocorre nas cidades através dos discursos propagados pelas instituições midiáticas, famílias, religiões, leis etc. Todos estes discursos compõem morais, ou seja, conjuntos de valores consolidados em um determinado grupo de pessoas buscando determinar um comportamento homogêneo destes, os quais não costumam perceber a influência da moral em seus atos. Sigmund Freud explica que nossa mente se divide em consciente e incosciente, sendo que neste último atua a maior parte do chamado supergo. O superego deve ser entendido como a fração da mente onde os valores sociais estariam armazenados. Atua, assim, como um controle social internalizado na censura de atitudes que desviem do padrão de comportamento imposto pela sociedade. Os indivíduos normalmente agem de acordo com o “superego” sem ter ciência disso, uma vez que este se encontra no inconsciente.
O filósofo Max Weber cria um conceito de “dominação”para explicar um mecanismo de controle social que manipula os indivíduos, sem que estes nem sequer percebam, como realmente pode ser observado nas cidades atuais, onde a ideia de que todos são livres e, portanto, autônomos, é vendida constantemente por países como os Estados Unidos. Assim, a população tende a ter a ilusão de liberdade, mas atua de acordo com seus superegos, seguindo apenas uma ordem ditada pela moral da sociedade.
Deleuze desenvolveu o conceito de “sociedade de controle” para descrever o cenário urbano da modernidade, onde formas de controle social atuam, mantendo os comportamentos individuais padronizados. Nesta sociedade, os indivíduos são manipulados sem o uso explícito da força. A manipulação se dá por métodos de controle social de curto prazo e de rápida rotação, sendo, entretanto, contínuos e ilimitados. O consumismo incitado pela dinâmica capitalista vigênte na maior parte dos ambientes urbanos ocidentais pode ser considerado um exemplo deste métodos, sendo muito eficaz na manutenção de uma população alienada e, com isso, facilmente manipulável. Na sociedade de controle, com isso, fica evidente uma perda de autonomia do cidadão; e, ao compreender individualidade como a “originalidade própria de uma pessoa” (definição do Dicionário Aurélio), pode-se afirmar que esta perda de autonomia gera uma desconstrução da individualidade dos cidadãos, os quais se distânciam deles mesmos. O pensador alemão Immanuel Kant, cria o conceito de menoridade intelectual buscando identificar aqueles que passaram por este processo de desconstrução. O conceito é explicado por Kant como a falta de capacidade de um indivíduo de apropriar-se da própria razão sem depender do outro, apresentando a preguiça e a covardia como formas de controle social que podem levar alguém à menoridade intelectual.
Ao buscar uma resposta de como escapar do controle social e da menoridade intelectual, em meio à sociedade de controle vigente nas grandes metrópoles, é indispensável a análise de pensamentos de Sócrates. O pensador ateniense desenvolve sua filosofia inspirando-se em uma inscrição do Templo de Delfos: conhece-te a ti mesmo. Foucault afirma que é necessário compreender tal frase olhando de forma ampla para o autoconhecimento e cuidado de si. Assim, o que Sócrates pregava a partir da inscrição seria uma visão da vida mais voltada para aquilo que é inerente a cada um-individualidade- e menos preocupada com banalidades materiais, tais como dinheiro e poder. Segundo ele, somente preocupando-se consigo mesmo pode-se atingir a verdade, sendo esta a forma capaz de transformar o ser em seu próprio sujeito. Sob a ótica do filósofo "A vida não examinada não vale a pena ser vivida”, o que explicita a importância dada por ele ao autoconhecimento, que seria a única forma de alguém entrar em contato com sua indivídualidade.
O autoconhecimento, contudo, não é obtido facilmente. O escritor Aldous Huxley afirma que “Se a maior parte de nós permanece ignorante de nós mesmos, é porque o autoconhecimento é doloroso e preferimos os prazeres da ilusão”. Huxley cria, em seu livro “Admirável Mundo Novo”, uma analogia para a sociedade em que vivemos. Na civilização retratada na obra, o controle dos indivíduos predomina, atuando desde o nascimento desdes. Todos já nascem com uma função social predestinada e, a partir de um condicionamento mental, não há questionamentos. São dominados pelo sistema gerando uma sociedade harmônica e de aparente felicidade, a qual, na verdade reprenta uma alienação coletiva. Na distopia criada por Huxley, não existem revoltas nem anseios, uma vez que as pessoas são tranquilizadas por uma droga, que o próprio governo distribui, chamada Soma. Esta pode ser associada à política “pão e circo”-criada pelos antigos romanos mas eminente muitas vezes em sociedades atuais- e às chamadas drogas de alienação; ambos são ferramentas que atuam de forma a manter a aparente felicidade e harmonia social constantes. Aquela pode ser identificada ao observar os papéis que muitas vezes o futebol e o “bolsa familia” exercem no Brasil, alienando a população quanto aos problemas políticos, econômicos e sociais do país; esta, por sua vez, pode ser associada ao uso de drogas estimulantes e opióides- como alcóol, nicotina, cafeína, morfina e cocaína- nas sociedades, exercendo um papel de tranquilizar as angústias, ansiedades e frustrações da população. O autor, entretanto, não acredita que todas as drogas tenham a função de alienação e, inclusive, defende o uso de psicodélicos- dimetiltriptamina e psilocibina, por exemplo- como um caminho para atingir experiências psicodélicas, as quais devem não devem ser entendidas como experiências obtidas restritamente pelo uso de drogas; elas se caracterizam pela revelação da mente àquele que a experimentou, sendo o uso de drogas um dos caminhos de atingí-la. Psicodélico deriva do latim psiké (alma) e delos (manifestação) e, assim, através da manifestação da alma-ou individualidade-as experiências psicodélicas levam os indivíduos ao autoconhecimento pleno.
Outra forma de autoconhecimento é através do Budismo. Neste, cada ser é discipulo de si mesmo e o conhecimento próprio do corpo e da mente é priorizado. Um monge do templo Busshinji afirmou, em entrevista, que o budismo está preocupado em responder quem nós somos; e a única forma de descobrir isso é através da meditação, nenhuma informação externa pode substituir a experiência individual. Segundo ele, “somente pelo autoconhecimento podemos conhecer a verdade”. Ele afirmou também que o apego nos distancia desta verdade e “quanto menos apegos nós tivermos, mais originais seremos”, ou seja, mais em contato com nossas individualidades estaremos. O único jeito de, portanto, segundo a filosofia budista de livrar-se do apego e conectar-se à sua individualidade seria por meio da meditação.
Para escapar da massificação do comportamento nas sociedades e poder ter acesso à individualidade, algumas pessoas buscam estilos de vida alternativos, que rompem tanto com a moral quanto com os valores eminentes nas sociedades em questão. Sergio - um artesão nascido na Colômbia - leva um estilo alternativo, vivendo como um nômade, viajando pelo mundo e vendendo sua arte. Em uma entrevista realizada no centro de São Paulo, onde ele vendia peças que produzira, Sergio afirmou acreditar que através de suas viagens conhece melhor, não só mais o mundo, mas também, a si próprio.
Outra pessoa que encontrou seu mecanismo de acessar sua individualidade no meio da caoticidade urbana é a Chef Cláudia Mattos do restaurante Zym, o qual participa de uma cadeia de restaurantes chamada “Slow Food” que critica o ritmo acelerado ditado pela sociedade moderna. A proposta de seu restaurante é “voltar para casa”. A frase, segundo ela, deve ser entendida em seu sentido mais profundo, relacionando-se com voltar às raízes e voltar à própria individualidade. Ela defende que isso seja feito através do contato com a natureza, dizendo que “nós somos a natureza mas nos perdemos de nós mesmos. O contato com ela tem a propriedade de nos reconectar”. De tal forma, ela acredita que rompendo com o ritmo social e afastando-se da artificialidade das cidades, os indivíduos são capazes de se reconectarem a eles mesmos, compreendendo quem são e, assim, rompendo com o comportamento massificado e expressando suas individualidades.
Em entrevista no espaço autônomo paulista Casa Mafalda, um dos organizadores afirmou que o o sistema vigente baseado no capitalismo faz com que as pessoas se enquadrem e percam individualidade. A Casa Mafalda é um espaço de gestão aberta onde experimenta-se praticas sociais e culturais, funcionando como uma alternativa ao que a Grande São Paulo oferece. O organizador defendeu o anarquismo, dizendo que seria o único sistema, na opinião dele, que respeitaria as individualidades dos indivíduos, uma vez que nele não há relações de poder e nem qualquer tipo de autoridade ou dominação, permitindo que os indivíduos sejam eles mesmos. Ele concluiu afirmando que “só nos expressamos de forma individual legítima quando existe uma força coletiva que permite que a individualidade se manifeste”. De tal forma, o caminho proposto por ele para expressar a individualidade não é o isolamento e um estilo de vida alternativo visando o autoconhecimento. Ele defende uma ruptura com a estrutura da sociedade, proporcionando uma revolução tanto social quanto ideológica que possibilitaria a manifestação autônoma do indivíduo em sociedade.
Concluindo, nas grandes metrópoles modernas, o ser humano se perdeu de sua própria individualidade, deixando, com isso, de ser autônomo e livre. Albert Einstein afirmou que "Poucos são aqueles que vêem com seus próprios olhos e sentem com seus próprios corações.", o que reafirma a tese de que os indivíduos vem sofrendo um processo de desconstrucão de suas individualidades. Para escapar deste processo, como foi evidenciado, existem diversas propostas e não há como concluir qual seria a mais correta, uma vez que todos indivíduos, em essência, são diferentes uns dos outros. Assim, o caminho para a percepção desta diferença é tão singular quanto ela mesma. Cabe a cada um experimentar o máximo possível, a fim de conhecer melhor sua mente e sua individualidade, conseguindo apresentar um comportamento autônomo em meio a a uma sociedade que preza a homegenização dos indivíduos.